quinta-feira, 26 de abril de 2012

CARTAS - POSSIDÔNIO À FRANCELINO DE SOUZA ARAÚJO


Oeiras, 20 de fevereiro de 1975.
Caríssimo Conterrâneo
FRANCELINO DE SOUZA ARAÚJO

Abraços

Caro Amigo

            Estou diante do teclado de uma velha “Halda”, - mais de vinte anos de uso – velha mas amiga, manejando-o mais ou menos, vagarosamente, dando resposta a cartas do precioso Amigo.
            Tenho sempre estado em falta com o querido Amigo. E quando me levanto de uma, faço promessas de não cair noutra, e no entanto, sempre pecando. Estou, nesse particular, como Santo Agostinho. Um dia, porém, como o grande Bispo de Hipona, me redimirei completamente. Nesta carta tratarei de diversos assuntos:

I-             Pedreiros juízes
II-            Seu artigo em o “Correio Popular”, de 9 deste mês, sob a epígrafe”: - O Cometa”, um jornal em pleno Sertão.”
III-           Roubos de Imagens
IV-          Diploma do Instituto H. de Oeiras.

CASTRO ALVES, - o Condoreiro – em “Navio Negreiro”, esgrimindo o estro de uma inspiração sublime, que o alcandorou em remígios admiráveis, teve a soberba estrofe que o caro Amigo transcreve em uma de suas cartas e que eu transcro, novamente nesta: - “Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura... se é verdade/ Tanto horror perante os céus?!/ Ó mar, por que não apagas/ Com a esponja de tuas vagas/ De teu manto, este borrão? ...”
Não sei se pode medir a indignação de que se achava possuído o formidável aedo ao escrever esses versos. Indignação contra os homens, e até... contra Deus. Tanto horror perante os céus!... Frases semelhantes, arrojadíssimas, preferiu também o grande VIEIRA, no célebre sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal. Apóstrofes, gritos atirados contra os Céus, em momento de aflição, de dor inenarrável. Estaria, porventura, surdo, o Senhor quando esses gritos foram lançados para o alto? O Céu é tão longe... Mas os ouvidos de Deus possuem antenas, como as não conhecem os habitantes do globo terráqueo. O grito de CASTRO ALVES, como o de VIEIRA, tinha contra si a enorme distância em que nos achamos do Criador. Essa distância para Deus é nada. Mas, como nos afastamos d’Ele, cada dia, por isso, ainda Deus tendo ouvidos ultra sensíveis, não nos ouve.
Tem razão e inteira, o querido Amigo, em transcrever a estrofe do Poeta dos Escravos. Parece que o Brasil se admirou do que vai acontecendo aqui, em nossa terra. Digo isso, porque foi geral o comentário dos jornais de vários pontos do País. O caso é tão importante que o “Jornal do Brasil” mandou a Oeiras, um repórter, que aqui esteve e entrevistou os pedreiros juízes. Referido jornal na sua edição de 21 de janeiro –último, caderno B, dedicou uma página inteira a Oeiras, focalizando o fato.
Os homens são: o nosso amigo Benedito Vieira Lima – (Benedito Diogo) e Raimundo de Morais Rêgo (Raimundo Dodô). O primeiro é o atual Juiz de Direito de Oeiras, e o segundo, o Promotor. Ambos se dizem elementos eleitorais do Dep. Walmor Carvalho, que é o Vice-Lider do governo atual e que os mantém nesses dois postos chaves. É o que afirma a imprensa de Teresina, a qual, adiante que há muito, há dois meses já foi indicado um Bacharel para Juiz Adjunto da Velhacap, mas a nomeação não sai porque não interessa ao Deputado. A cousa é verdade. E não se sabe até quando vai. É de esperar-se que com a posso do novo Governador, que se dará a 15 de março próximo, tudo mude.
Os dois conterrâneos que detêm o poder judiciário de Oeiras, são pessoalmente dois homens bons. Honestos. Mas isso apenas não basta. Falta-lhes, a eles, as luzes necessárias, os conhecimentos precisos do Direito, essa arte difícil que fez a glória de um RUI, de um BEVILAQUA. Não os possuindo, serão, apesar de honestos, uns títeres nas mãos dos seus chefes, que os farão assinar atos, sentenças incompatíveis com a Justiça.
Todos sabemos o quanto é difícil um julgamento. Mesmo ao juiz togado, quantas vezes não se lhe antolham dificuldades enormes na prolação de uma sentença? Quanta noite indormida, rascunhando, consultando julgados, folheando tratados, e às vezes, apesar de tudo, errando? Por isso, dizia RUI, que nas organizações democráticas perfeitas era preciso que houvesse um Poder Judiciário superior para errar por último. Quem está afeito a ler jurisprudência, sabe que não raro o Supremo Tribunal Federal, está modificando Acórdãos. O que isso? Prova de que o homem finito, é sujeito ao engano. O Juiz é obrigado a julgar, e deve julgar bem. Por isso disse certa vez o Maior Juiz jamais vindo ao mundo – o CRISTO: - “Não julgueis para não serdes julgados...” Se a cousa é assim, dificílima aos que conhecem os segredos da ciência de Ulpiano, que dizer de quem não sabe nem precisa saber, nem se preocupa com isso?

II- Seu artigo, “O Cometa, um jornal em pleno Sertão”, muito bem lançado, muito bem escrito, como tudo o que sai de sua pena, para quem a arte de dizer, para que a língua não tem segredo.
O que disse, no seu artigo, encoraja a toda a equipe do modesto mensário, que precisa, e muito, da boa vontade e da generosa compreensão de todos para viver.
Nós que o fazemos, o amamos, e desse amor, lhe vem, ao jornalzinho, a feição que está apresentando. Há nele muitas falhas, muitos senões, sabemos; os leitores irão perdoando e encorajando, como o precioso Amigo, que é sem favor uma grande inteligência, uma invejável cultura a serviço das boas letras e das boas causas, tem feito.
No tocante ao que disse a respeito de minha humilde pessoa, deixe-me dizer, com toda sinceridade, o caro Amigo exagerou, deixou-me aturdido. VOCÊ na sua generosidade confunde a gente.
(...)

III – A cidade sofreu, sexta-feira, do corrente, um grande abalo moral, com o roubo praticado da quinta para a mesma sexta, na Igreja Catedral. O venerando Templo, o mais antigo templo regular do Piauí, foi profanado por mãos sacrílegas. Há quem afirme que, pelo menos, um dos ladrões teria ficado dentro da Igreja, à noite, quanto o sacristão a fechou. Isso porque a Igreja amanheceu roubada, e de porta aberta, sem nenhum sinal de violência.
Tiraram e levaram o resplendor da Imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos; levaram um belo crucifixo, que servia na ceremônia da adoração à Santa Cruz, na Sexta-feira Santa; levaram dois castiçais, e uma grande e bela lâmpada, toda de prata, com o peso de muitos quilos, obra de fino valor, e muito antiga. Creio que o caro amigo a conheceu. Muitas pessoas choraram ao ver a veneranda Imagem de Bom Jesus dos Passos, maltratada, de coroa arrancada. Na mesma noite, foram os ladrões à Igreja do Rosário, tiraram as imagens dos seus lugares, remexeram tudo, abriram gavetões, e por fim levaram um cálice e uma pátena.
            Comenta-se aqui, que os larápios, ao que parece, não são experts em objetos ou obras de valor; aliás teriam levado alguma, ou algumas imagens, pois ambas as Igrejas visitadas as possuem, e de valor inestimável, pela ancianidade e pelo lavor artístico.
            Crê-se, também que eles visavam à Custódia. A nossa Custódia, obra fina da ourivesaria europeia do século XVIII, é uma obra de alto valor. Pesa quase sete quilos de ouro fino, e é enriquecida com muitas pedras preciosas. Quem lhe pode calcular o valor? É inestimável. O valor intrínseco, é enorme, o artístico extraordinário, e o estimativo, sem medida.
            O Sr. D. Edilberto está tomando medidas de alta precaução a fim de evitar que novos roubos se verifiquem.
            A nossa Custódia, como sabe, foi roubada, no século passado. Não posso precisar o ano, mas já faz mais de um e meio séculos. Perdi duas obras em que vinham notícia completa sobre esse famoso roubo: “Fogo de Palha”, de autoria do Dr. João Pinheiro, e um exemplar da Revista da Academia Piauiense de Letras. A Revista estampara o mesmo trabalho do Dr. João Pinheiro.
            O roubo de imagens e alfaias de valor, das Igrejas e de outros pontos, vem se praticando há anos, como sabe. Nas Alterosas, a causa tem sido terrível. Parece que se trata de uma quadrilha internacional. Estamos atravessando uma época difícil. Violência, anarquia, roubo de bancos, tanta cousa...

            IV – O diploma do caro Francelino de Souza Araújo está pronto. Dentro de dias o remeteremos. O Compadre Machado arranjou um estojo para o mesmo, de sorte a não se machucar na viagem.
            Há poucos dias, a 19 de janeiro findo, em ceremônia bonita, - uma bela sessão realizada na União A. O. Oeirense, se fez entrega do diploma de Sócio Honorário ao Exmo. e Revmo. Sr. D. Edilberto, nosso Bispo, tendo sido o mesmo saudado pelo Confrade, Revmo. Pe. David Ângelo Leal.
(...)
            Já é hora de acabar. O papel desta quarta página está se indo e não tenho o direito de abusar do seu tempo. Recebi as folhinhas e as distribui, todas. Sensibilizou-me a sua gentileza. Para que não viessem duas dúzias de vinte e três, VOCÊ subscreveu mais uma para mim. Muito grato. Assim ganhei duas.
            Agora até breve, e acompanhemos a luta em que se vai empenhar o Exmo. Sr. Senador NELSON CARNEIRO.

Do conterrâneo amigo, admirador
Possidônio Queiroz

  

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