Oeiras,
20 de fevereiro de 1975.
Caríssimo
Conterrâneo
FRANCELINO
DE SOUZA ARAÚJO
Abraços
Caro Amigo
Estou diante do teclado de uma velha
“Halda”, - mais de vinte anos de uso – velha mas amiga, manejando-o mais ou
menos, vagarosamente, dando resposta a cartas do precioso Amigo.
Tenho sempre estado em falta com o
querido Amigo. E quando me levanto de uma, faço promessas de não cair noutra, e
no entanto, sempre pecando. Estou, nesse particular, como Santo Agostinho. Um
dia, porém, como o grande Bispo de Hipona, me redimirei completamente. Nesta
carta tratarei de diversos assuntos:
I-
Pedreiros
juízes
II-
Seu
artigo em o “Correio Popular”, de 9 deste mês, sob a epígrafe”: - O Cometa”, um
jornal em pleno Sertão.”
III-
Roubos
de Imagens
IV-
Diploma
do Instituto H. de Oeiras.
CASTRO
ALVES, - o Condoreiro – em “Navio Negreiro”, esgrimindo o estro de uma
inspiração sublime, que o alcandorou em remígios admiráveis, teve a soberba
estrofe que o caro Amigo transcreve em uma de suas cartas e que eu transcro,
novamente nesta: - “Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura... se é verdade/
Tanto horror perante os céus?!/ Ó mar, por que não apagas/ Com a esponja de
tuas vagas/ De teu manto, este borrão? ...”
Não
sei se pode medir a indignação de que se achava possuído o formidável aedo ao
escrever esses versos. Indignação contra os homens, e até... contra Deus. Tanto
horror perante os céus!... Frases semelhantes, arrojadíssimas, preferiu também
o grande VIEIRA, no célebre sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal.
Apóstrofes, gritos atirados contra os Céus, em momento de aflição, de dor
inenarrável. Estaria, porventura, surdo, o Senhor quando esses gritos foram
lançados para o alto? O Céu é tão longe... Mas os ouvidos de Deus possuem
antenas, como as não conhecem os habitantes do globo terráqueo. O grito de
CASTRO ALVES, como o de VIEIRA, tinha contra si a enorme distância em que nos
achamos do Criador. Essa distância para Deus é nada. Mas, como nos afastamos
d’Ele, cada dia, por isso, ainda Deus tendo ouvidos ultra sensíveis, não nos
ouve.
Tem
razão e inteira, o querido Amigo, em transcrever a estrofe do Poeta dos
Escravos. Parece que o Brasil se admirou do que vai acontecendo aqui, em nossa
terra. Digo isso, porque foi geral o comentário dos jornais de vários pontos do
País. O caso é tão importante que o “Jornal do Brasil” mandou a Oeiras, um
repórter, que aqui esteve e entrevistou os pedreiros juízes. Referido jornal na
sua edição de 21 de janeiro –último, caderno B, dedicou uma página inteira a
Oeiras, focalizando o fato.
Os
homens são: o nosso amigo Benedito Vieira Lima – (Benedito Diogo) e Raimundo de
Morais Rêgo (Raimundo Dodô). O primeiro é o atual Juiz de Direito de Oeiras, e
o segundo, o Promotor. Ambos se dizem elementos eleitorais do Dep. Walmor
Carvalho, que é o Vice-Lider do governo atual e que os mantém nesses dois
postos chaves. É o que afirma a imprensa de Teresina, a qual, adiante que há
muito, há dois meses já foi indicado um Bacharel para Juiz Adjunto da Velhacap,
mas a nomeação não sai porque não interessa ao Deputado. A cousa é verdade. E
não se sabe até quando vai. É de esperar-se que com a posso do novo Governador,
que se dará a 15 de março próximo, tudo mude.
Os
dois conterrâneos que detêm o poder judiciário de Oeiras, são pessoalmente dois
homens bons. Honestos. Mas isso apenas não basta. Falta-lhes, a eles, as luzes
necessárias, os conhecimentos precisos do Direito, essa arte difícil que fez a
glória de um RUI, de um BEVILAQUA. Não os possuindo, serão, apesar de honestos,
uns títeres nas mãos dos seus chefes, que os farão assinar atos, sentenças
incompatíveis com a Justiça.
Todos
sabemos o quanto é difícil um julgamento. Mesmo ao juiz togado, quantas vezes
não se lhe antolham dificuldades enormes na prolação de uma sentença? Quanta
noite indormida, rascunhando, consultando julgados, folheando tratados, e às
vezes, apesar de tudo, errando? Por isso, dizia RUI, que nas organizações
democráticas perfeitas era preciso que houvesse um Poder Judiciário superior
para errar por último. Quem está afeito a ler jurisprudência, sabe que não raro
o Supremo Tribunal Federal, está modificando Acórdãos. O que isso? Prova de que
o homem finito, é sujeito ao engano. O Juiz é obrigado a julgar, e deve julgar
bem. Por isso disse certa vez o Maior Juiz jamais vindo ao mundo – o CRISTO: -
“Não julgueis para não serdes julgados...” Se a cousa é assim, dificílima aos
que conhecem os segredos da ciência de Ulpiano, que dizer de quem não sabe nem
precisa saber, nem se preocupa com isso?
II-
Seu artigo, “O Cometa, um jornal em pleno Sertão”, muito bem lançado, muito bem
escrito, como tudo o que sai de sua pena, para quem a arte de dizer, para que a
língua não tem segredo.
O
que disse, no seu artigo, encoraja a toda a equipe do modesto mensário, que
precisa, e muito, da boa vontade e da generosa compreensão de todos para viver.
Nós
que o fazemos, o amamos, e desse amor, lhe vem, ao jornalzinho, a feição que
está apresentando. Há nele muitas falhas, muitos senões, sabemos; os leitores
irão perdoando e encorajando, como o precioso Amigo, que é sem favor uma grande
inteligência, uma invejável cultura a serviço das boas letras e das boas
causas, tem feito.
No
tocante ao que disse a respeito de minha humilde pessoa, deixe-me dizer, com
toda sinceridade, o caro Amigo exagerou, deixou-me aturdido. VOCÊ na sua
generosidade confunde a gente.
(...)
III
– A cidade sofreu, sexta-feira, do corrente, um grande abalo moral, com o roubo
praticado da quinta para a mesma sexta, na Igreja Catedral. O venerando Templo,
o mais antigo templo regular do Piauí, foi profanado por mãos sacrílegas. Há
quem afirme que, pelo menos, um dos ladrões teria ficado dentro da Igreja, à
noite, quanto o sacristão a fechou. Isso porque a Igreja amanheceu roubada, e
de porta aberta, sem nenhum sinal de violência.
Tiraram
e levaram o resplendor da Imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos; levaram um belo
crucifixo, que servia na ceremônia da adoração à Santa Cruz, na Sexta-feira
Santa; levaram dois castiçais, e uma grande e bela lâmpada, toda de prata, com
o peso de muitos quilos, obra de fino valor, e muito antiga. Creio que o caro
amigo a conheceu. Muitas pessoas choraram ao ver a veneranda Imagem de Bom
Jesus dos Passos, maltratada, de coroa arrancada. Na mesma noite, foram os
ladrões à Igreja do Rosário, tiraram as imagens dos seus lugares, remexeram
tudo, abriram gavetões, e por fim levaram um cálice e uma pátena.
Comenta-se aqui, que os larápios, ao
que parece, não são experts em objetos ou obras de valor; aliás teriam
levado alguma, ou algumas imagens, pois ambas as Igrejas visitadas as
possuem, e de valor inestimável, pela ancianidade e pelo lavor artístico.
Crê-se, também que eles visavam à
Custódia. A nossa Custódia, obra fina da ourivesaria europeia do século XVIII,
é uma obra de alto valor. Pesa quase sete quilos de ouro fino, e é enriquecida
com muitas pedras preciosas. Quem lhe pode calcular o valor? É inestimável. O
valor intrínseco, é enorme, o artístico extraordinário, e o estimativo, sem
medida.
O Sr. D. Edilberto está tomando
medidas de alta precaução a fim de evitar que novos roubos se verifiquem.
A nossa Custódia, como sabe, foi
roubada, no século passado. Não posso precisar o ano, mas já faz mais de um e
meio séculos. Perdi duas obras em que vinham notícia completa sobre esse famoso
roubo: “Fogo de Palha”, de autoria do Dr. João Pinheiro, e um exemplar da
Revista da Academia Piauiense de Letras. A Revista estampara o mesmo trabalho
do Dr. João Pinheiro.
O roubo de imagens e alfaias de
valor, das Igrejas e de outros pontos, vem se praticando há anos, como sabe.
Nas Alterosas, a causa tem sido terrível. Parece que se trata de uma quadrilha
internacional. Estamos atravessando uma época difícil. Violência, anarquia,
roubo de bancos, tanta cousa...
IV – O diploma do caro Francelino de
Souza Araújo está pronto. Dentro de dias o remeteremos. O Compadre Machado
arranjou um estojo para o mesmo, de sorte a não se machucar na viagem.
Há poucos dias, a 19 de janeiro
findo, em ceremônia bonita, - uma bela sessão realizada na União A. O.
Oeirense, se fez entrega do diploma de Sócio Honorário ao Exmo. e Revmo. Sr. D.
Edilberto, nosso Bispo, tendo sido o mesmo saudado pelo Confrade, Revmo. Pe.
David Ângelo Leal.
(...)
Já é hora de acabar. O papel desta
quarta página está se indo e não tenho o direito de abusar do seu tempo. Recebi
as folhinhas e as distribui, todas. Sensibilizou-me a sua gentileza. Para que
não viessem duas dúzias de vinte e três, VOCÊ subscreveu mais uma para mim.
Muito grato. Assim ganhei duas.
Agora até breve, e acompanhemos a
luta em que se vai empenhar o Exmo. Sr. Senador NELSON CARNEIRO.
Do
conterrâneo amigo, admirador
Possidônio Queiroz
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