sexta-feira, 20 de maio de 2011

CARTAS - POSSIDÔNIO À BUGYJA BRITTO

OEIRAS, 02 setembro de 1988
Caríssimo e Eminente Conterrâneo
Dr. Bugyja Britto
Tenho sob meus olhos a sua carta de 31 de agosto findo, hoje recebida. Nas suas cartas, lidas com muita atenção e colecionada com cuidado, tenho sempre cosas a aprender. Li, há muitos anos, que de todo contato humano, tem-se, amiúde, coisas a aprender. Para mim essa, é uma asseveração certa. No caso da que parece anomalia, do nome do imortal Clodoaldo Freitas, tive a aprender, e creio que muita gente não sabe, e que o caro BUGYJA me resolveu.
Tenho a agradecer, sumamente grato, o seu gesto, mandando por na parede de sua residência, o retrato, ou o quadro em que aparece o retrato de minha humilde pessoa, na ocasião que experimentei a subida honra de saudar um dos mais fecundos e eruditos Escritores do Piauí, e para a gloria da Velhacap, filho de Oeiras.
Recebi, há dias, os quatro exemplares do belo opúsculo “ÉCOS”, e o volume de: “PROSADORES DO BRASIL”, coletânea organizada pelo escritor Aparício Fernandes, em que o caríssimo Conterrâneo aparece, como sempre, com belos trabalhos antológicos. Do “ÉCOS”, ofertei um exemplar à inteligente Srtª. MARIA DO ROSARIO REGO OLIVEIRA, filha do nosso saudoso MIGUEL OLIVEIRA, ex-prefeito de Oeiras, ex-Presidente de nossa Câmara de Vereadores, ex-Presidente do nosso extinto ROTARY CLUB DE OEIRAS, ex-Deputado Estadual.
Não conhecia a opinião dos entendidos, a respeito da preguiça mental dos nordestinos com relação ao escrever cartas e certas obrigações espirituais. Não conhecia, mas tenho padecido dessa desídia.
Um pouco sobre o ilustre e saudoso Maestro PEDRO SILVA. Lastimo que se haja perdido o volume musical de sua autoria, respeitante ao folclore do Piauí torço porque venha a ser encontrado.        
Em 1924, rapazinho, no mês de junho dirigi-me a Teresina, no desejo de estudar. À época estudava FLAUTA, este belo instrumento que MARCIAS criara e de que  PATAPPIO SILVA fora um dos admiráveis executores no Brasil.
Foi meu professor aqui, por algum tempo, o Sr. João Francisco de Morais Rego – João Rego, como era tratado. João Rego fora discípulo de Dr. Gonçalo de Castro Cavalcanti, a quem o notável Clidenor Freitas Santos sucedeu na Cadeira n.º13 da Academia Piauiense de Letras. Dr. Gonçalo Cavalcanti, era, como se sabe, versado nos clássicos literários e nos clássicos da música.
João Rego me falava constantemente do maestro Pedro Silva, com quem se dera muito em Teresina, de sorte que ao viajar para a cidade de Saraiva, levava no espírito, a imagem do inteligente e bondoso maestro, que por sinal era estrábico.
Cheguei na Cidade Verde, para usar a Alcunha que lhe pos COELHO NETO (e que naquele tempo, em 1924, o era mesmo),  - cheguei em Teresina no dia 28 de junho daquele ano e no mesmo dia, à noite, me encontrei com o Maestro Pedro Silva, na Igreja do Amparo havia novena eu me apresentei a ele no coro do Templo. Depois da novena conversamos bastante. Falei-lhe de João Rêgo, e fui logo convidado pelo maestro para uma orquestra que ele organizava pra tocar no dia 1º de julho, dois dias depois, na posse do governador Matias Olimpio.  A orquestra se compunha de 24 músicos, inclusive cinco violinos, um deles do Exército o Tenente Bangoin, ou Banguim, que você deve ter conhecido, a Srta. Alzira Gomes e mais violinistas cujo nome não sei. Havia outra flauta mas o  maestro Pedro Silva, não sei por que, me cofiou o papel da primeira flauta. Depois, fiz-me discípulo do notável piauiense.
Suplico-lhe a bondade de perdoar-me essas conversas sem sentido, mas peço-lhe, me consinta narrar o seguinte passo, no qual recebi uma objurgatória do Maestro.
Em dezembro de 1924 perto do NATAL, uma noite, já um pouco tarde, céu choroso, coberto de nuvens prenunciadoras de inverno, ouvi da minha república, que ficava perto da praça Rio Branco, o som de uma flauta, - alguém tocava o instrumento.
Uma enorme saudade martirizava-me o espírito, enchendo-me de grande nostalgia. Arrastei-me até a Praça. Estava vazia. Apenas um moço solitário, sentado num banco, soprava o instrumento e arrancava-lhe algumas notas. Era o Zezito Lopes, com quem me dei depois. Disse-lhe que estudava flauta, pedi-lhe o instrumento para examinar, o que me foi concedido. Vi que havia alguns bares abertos: - o Frazão, o Carvalho, etc. A flauta era em mib também chamada tercina, maior do que o flautim e um pouco menor que a de dó. O instrumento era doce, maleável, obediente. Arranquei-lhe algumas cromáticas e depois executei uma valsa: - “Um Suspiro”, cujo autor desconheço. Composição bonita, cuja ultima parte é uma imitação do canto da seriema. Antes de terminar a execução, estava cercado de pessoas. Entre elas, divisei logo o estimado Maestro PEDRO SIVA, que portava um violão. Eu, que, premido pela saudade desejaria estar sozinho, me vi, me encontrei numa situação de me demorar algo.
O Maestro SILVA, tocava piano e também violão. Não sei se outros instrumentos. Toquei, então, na flautinha, doce, e que tão depressa se acamaradara comigo, com um rico acompanhamento do MESTRE, uma valsa da coleção “Danses Célèbres”, denominada: - “TOUJOURS OU JAMAIS”, de autoria Emile Waldteufel. O Maestro conhecia bem a celebre composição, de sorte que não foi difícil nosso entendimento na interpretação da peça. Ao terminar a execução da extensa valsa, muita gente havia saído dos bares para ouvir de perto a musica do inspirado e fecundo compositor, que suponho ser alemão.
Bem. Terminada a execução, entreguei a flauta ao dono e me esgueirei rapidamente, indo para minha republica. Tive logo a impressão que o Maestro PEDRO SILVA ia me reprochar. Por isso evitei-o por alguns dias. Quando me encontrei com ele, não deixei de lhe ouvir uma censura amiga. Disse-me que eu era uma criatura esquisita. Que, no momento, que estavam ali, para ouvir-me, o Dr, Fulano, o Des. Fulano, e não ficaram satisfeitos com minha fugida, etc., etc. Expliquei-lhe, então, o meu estado de espírito, a psicalgia que me supliciava, o desejo insopitável de solidão, incrementado pela saudade extraordinária de minha terra e dos meus. Fora até à Praça, porque da minha república, ouvira o som de uma flauta, e deu-me, como o logradouro estava vazio, devido a hora avançada da noite, deu-me a vontade de executar algo que me lembrasse OEIRAS. Com o aparecimento de muitas pessoas, o sentimento me excruciou ainda mais. Por isso, fugi. Ele compreendeu e me perdoou.
Era um homem bom, inteligente e humano, o Maestro PEDRO SILVA. Nos ensaios, na casa dele, vasta residência situada na Praça Saraiva, fazendo-me, parece, beco com a então morada do Bispo Diocesano, e depois também Seminário, - nos ensaios juntava-se muitas pessoas gradas. O maestro punha nas estantes diversas composições dele. Após a execução e cessados os aplausos, e era a mesma peça musica batizada com um nome que se enquadrasse com o caráter da musica. Havia um odontólogo, alegre, inteligente e brincalhão, cujo nome, por mais que me esforce, não me recordo, que era, em geral o batizador das peças.
Mais uma vez, suplico-lhe, perdoar-me o tempo que lhe toei com a leitura desse jornal. É que sei de sua amizade com o inesquecível e bondoso MAESTRO, e também, o quanto é bom falar das pessoas estimadas, - pois recordar é viver – por isso é que, nesta carta me alonguei, cotando fatos que se passaram, que se esvaneceram, que foram apagados, destruídos pela pátina do tempo.
Encerrando, uma palavra ainda e esta a respeito da não querença do nosso saudoso e respeitável Des. Pedro Sá, de um curso secundário em Oeiras. De fato, a posição assumida por ele, deve ter influenciado a demora na criação da nossa tão desejada casa de instrução, e para cujo desiderato, o caríssimo Dr. Bugyja, filho iluminado da Velhacap, apesar de residir tão longe, muito trabalhou. A posição assumida pelo Dr. Pedro Sá, não foi em nada elogiável.

                  Do conterrâneo, amigo, admirador

quinta-feira, 19 de maio de 2011

À memória e resistência de Possidônio Queiroz – 107 anos

       Aos 17 de maio de 1904, inicio do século XX, quatro anos após a morte de um dos filósofos mais inquietos e, portanto bastante estudado nos últimos tempos, Friedrich Nietszche, nasce, na cidade de Oeiras, um homem negro, filho de agricultor, talvez descendente de escravos. Seu pai Raimundo Nunes de Queiroz; sua mãe Francisca Soares Queiroz. Tudo isso já falei aqui (neste blog), mas acho que não deixei bem claro que eu penso que ele veio preencher lacunas meio que por necessidade do “destino” da historia.
     Com o poder do seu humanismo fez ressoar nos dias de hoje, configurando certa permanência na memória coletiva local, e de parte da população do estado do Piauí, o seu nome que agora é de várias formas lembrado. Digo de várias formas por que conseguia ser conselheiro de sensibilidade singular nas diversas ramificações das atividades sociais, artísticas e humana.
     Recentemente Possidônio fora agraciado com mais uma homenagem póstuma, ao dedicarem seu nome à Sala dos Advogados da OAB/PI, na Vara do Trabalho de Oeiras, no dia 06 do corrente mês. A homenagem foi justificada pela sua atuação como advogado provisionado, sendo que seus conhecimentos provenientes dos estudos individuais lhe deram a oportunidade de passar no concurso. Atuou com humanismo que lhe era característico sempre interdisciplinando a hermenêutica dos textos jurídicos com as noções universais das diversas áreas do conhecimento humano.
    Desprovido de imparcialidade continuo a escrever tentando afirmar o que é de fato o devido reconhecimento, lembrando que, também, no dia 20 de novembro de 2009, a Prefeitura Municipal de Teresina, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, homenageou com seu nome a sala de concerto do Palácio da Música. Esta é a sede da Orquestra Sinfônica de Teresina que provida de uma sala apropriada para execuções de peças musicais da orquestra da cidade, bandas de musica, entre outras formações camerísticas. Como houve a brilhante época em que como ele mesmo dizia “fazíamos de músicos”, e que, portanto “soprava o instrumento que MARCIAS criara”, (quis dizer a flauta) vestiram-no, então com a indumentária do reconhecimento da sua produção cultural nessa arte que, de tão complexa técnica e estruturalmente, encantou a opinião daqueles que assim escolheram e denominaram a Sala Possidônio Queiroz.
     Anterior a essa belíssima homenagem houve a mobilização por parte do deputado Mauro Tapety, através da lei estadual de número 5382, de 23 de abril de 2004, que pensando na condição de professor do ensino ginasial e a todos aqueles indivíduos que o procuravam em sua casa para orientação, tiradas de dúvidas ou simplesmente conversas informais, que se tornavam verdadeiras aulas sobre a vida e as coisas, achou justo indicar seu nome, personificando esse ambiente de produção de conhecimento acadêmico, que é a Universidade Estadual do Piauí – UESPI, com a denominação de CAMPUS PROF.º POSSIDÔNIO QUEIROZ, sediado em Oeiras.
    Peço perdão pela ignorância e falta de tempo na criação deste texto por não encontrar a identificação do proponente do nome da nossa extinta Escola de Música Professor Possidônio Queiroz, instalada na velha capital, em data, também, desconhecida por mim.
     Não sei quanto mais conseguirei escrever sobre a figura do meu bisavô que desde a infância sinto-o com muito orgulho e peso de responsabilidade por ostentar um sobrenome construído com a força que tem hoje devido a sua despretensiosa dedicação à cidade de Oeiras e isso eu defendo de fato com veemência e firmeza. Tantas foram as chances de sair e continuar seus estudos. Entre elas a única a que se permitiu indo morar em Teresina, nos idos de 1924. Lá imagino que se prostrava em lágrimas de saudade do seu torrão natal como conta que certa vez, na véspera de natal, ouvira da sua república o som de uma flauta que de leve chegava a seus ouvidos. Inconformado foi em busca da fonte sonora e ao chegar à Praça Rio Branco depara-se com um solitário flautista com que logo fez amizade. Lá teve a incrível experiência de tocar acompanhado pelo Maestro Pedro Silva.
    Há histórias e narrativas dentro do nosso tempo cronológico, relativas a contextos pelos quais transcorreu o século XX - anos de sua trajetória, e em momentos de grandes vitórias tais como: Criação do Ginásio Municipal, defesa do nome de Oeiras em detrimento do decreto-lei federal nº3599 de 06/09/1941, do então Presidente Getúlio Vargas, criação da Diocese de Oeiras, do Instituto Histórico de Oeiras, do Jornal “O Cometa”, etc. Também, na vida privada e seus momentos de resignação, da solidão povoada, dos anseios não alcançados e dos méritos não reconhecidos em tempo hábil para regozijo.
     Tomo em punho a causa da passagem da sua data natalícia para tentar representar algo que é tão difícil e ao mesmo tempo tão fácil. Fala-se muito em Possidônio Queiroz, mesmo assim ainda tem muito espaço em branco - talvez a literatura acadêmica possa dar ênfase a relatos importantes para a memória oeirense que este conseguiu registrar nos seus documentos. Material este ainda virgem ao olhar dos pesquisadores. Muitos o conhecem, já ouviram falar, porém em maior profundidade analítica, histórica, artística, cultural e todas outras relações sociais em que se envolveu necessitam ser por nós estudadas e divulgadas, afim de que esse exemplo tão impar de bondade e humanismo seja absorvido pela memória dos que ainda virão a navegar nas historias e encantos do velho Possi.
     Muita coisa precisa ser dita pela historiografia e palas literaturas que possuem a capacidade de estudar e representar as figuras que são assim necessárias para nosso reconhecimento como indivíduos da comunidade e, mais ainda, para a apropriação da cultura histórica e do nosso maior patrimônio que é a identidade do cidadão Oeirense.

Rodrigo Queiroz