quinta-feira, 3 de maio de 2012

POSSIDÔNIO ESCREVE NOVAMENTE A FRANCELINO...


Oeiras, 22 de fevereiro de 1975.
Caríssimo Francelino

Abraços

            Ante-ontem lhe escrevi sobre vários assuntos, inclusive sobre o roubo praticado na histórica Matriz-Catedral de nossa Oeiras.
            Na mencionada carta me referi ao histórico roubo da nossa Custódia. Disse que não sabia a data, mas afirmava que o fato se passara há mais de 150 anos.
            Bem. Nas minhas pesquisas descobri que o roubo se dera no ano de 1809. A rica obra havia sido ofertada à Matriz no ano anterior. Logo, o roubo se efetuou há, precisamente, 166 anos.
            A Custódia está bem guardada, em cofre forte. Não sei dizer o local. Mesmo assim, a gente receia que possa vir a desaparecer.
            A “gang” internacional que vem inquietando o mundo, dispõe de peritos refinados, de inteligências poderosas a serviço do mal.
            Há uns quatro dias, duas igrejas italianas foram assaltadas e roubadas. O fato, conforme os jornais, abafou a opinião pública italiana, já traumatizada por outros roubos valiosíssimos. Dentro em duas semanas, como se sabe, dois saques terríveis de obras de arte. Um deles, praticado no antigo Palácio Real de Milão, que possui um formidável sistema de alarme, e de onde os ladrões levaram vinte e oito (28) quadros, no valor de três milhões de dólares.
            Segundo li (jornais de ontem 21/2/975) a Catedral de São Pedro, em Fondi, a 50km de Roma, foi profanada, dela levaram os gatunos, uma tela famosa, pintada há 250 anos por Francisco Trevisani, representando o Senhor Morto; alguns cálices antigos, um relicário e outros objetos sacros. A tela de Trevisani é avaliada em várias centenas de milhões de liras.
            A outra Igreja, a de San Giovani Al Monte, no Piemonte. Nesta, fizeram perversidade. Além de roubarem, quebraram imagens.
            Diante de fatos assim, é que a gente diz que tem medo do desaparecimento da preciosa Custódia, atualmente fonte de preocupação para o Clero e para os habitantes da Velhacap.

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            Uma palavra ainda a respeito da nossa Justiça, hoje na mão de dois pedreiros, a respeito dos quais falei, respeitosamente, na carta de ante-ontem.
            Sei, todos sabem, que a Justiça deveria estar sempre nas mãos de pessoas esclarecidas e honestas. Infelizmente, nos Estados pequenos, as forças políticas assim não o entendem. Depois, a organização judiciária do Estado facultava a nomeação de suplentes de Juiz de Direito.
            A indicação de pessoas para o cargo de suplentes de Juiz é feita pelos Chefes políticos e estes indicam sempre seus eleitores; já porque o lugar rende, já porque os políticos têm seus compromissos.
            Os políticos exploram, mas todos fazem, quando podem, o mesmo. Em todos os tempos, juízes iguais aos que pontificam agora em Oeiras, tiveram sua vez, na Velha Metrópole. E estava tudo certo.
            Estou agora um pouco atarefado senão diria algo em torno do art. 121 da Lei Estadual nº 2.824, de 13-11-1967 – Lei Orgânica da Justiça do Estado do Piauí – e do art. 123 da Resolução nº 01 de 25-10-1971, emanada do Poder Judiciário do Estado do Piauí, que dispõe sobre a Organização Judiciária do Estado. Num e noutro diploma legal se focaliza a figura do suplente de Juiz.
            Bem. O privilégio de ter juízes pedreiros ou alfaiates, não é apenas nosso. Várias Comarcas do Piauí os tem igualmente. E o interessante é que as suas atribuições, são amplas, quase todas as que dão ao Juiz togado.
            Os diplomas legais que citei atrás, têm ambos, um artigo: 120, na Lei; 121 na Resolução, cujo contexto é igual. A redação de ambos é a seguinte:

“Providos os cargos de Juízes de Direito Adjuntos, poderão, mediante proposta do Tribunal de Justiça, ser suprimidos os cargos de Suplentes de Juiz de Direitos ou limitadas as suas atribuições.”

            Isso quer dizer que se pensa, desde anos, em acabar com a figura do suplente, cujo cargo sempre esteve ao sabor do chefe político prestigiado pelo Executivo Piauiense.
            Bem, fiquemos aqui. Um jornal honesto não deve ter 5ª coluna, bem assim uma carta séria não deve ter 5ª página.

Do conterrâneo, amigo, admirador
Possidônio Queiroz

domingo, 29 de abril de 2012

Notícia Possidônica.




Em breve, postaremos a continuação da última carta de Possidônio à Francelino. O teor de ambas as cartas é interessantíssimo, posto que de cunho histórico, tratando de antigos casos ocorridos na Velhacap, como o roubo de objetos na Matriz e na Igreja do Rosário.
Na foto, o belo e perdido olhar de Possidônio Queiroz.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

CARTAS - POSSIDÔNIO À FRANCELINO DE SOUZA ARAÚJO


Oeiras, 20 de fevereiro de 1975.
Caríssimo Conterrâneo
FRANCELINO DE SOUZA ARAÚJO

Abraços

Caro Amigo

            Estou diante do teclado de uma velha “Halda”, - mais de vinte anos de uso – velha mas amiga, manejando-o mais ou menos, vagarosamente, dando resposta a cartas do precioso Amigo.
            Tenho sempre estado em falta com o querido Amigo. E quando me levanto de uma, faço promessas de não cair noutra, e no entanto, sempre pecando. Estou, nesse particular, como Santo Agostinho. Um dia, porém, como o grande Bispo de Hipona, me redimirei completamente. Nesta carta tratarei de diversos assuntos:

I-             Pedreiros juízes
II-            Seu artigo em o “Correio Popular”, de 9 deste mês, sob a epígrafe”: - O Cometa”, um jornal em pleno Sertão.”
III-           Roubos de Imagens
IV-          Diploma do Instituto H. de Oeiras.

CASTRO ALVES, - o Condoreiro – em “Navio Negreiro”, esgrimindo o estro de uma inspiração sublime, que o alcandorou em remígios admiráveis, teve a soberba estrofe que o caro Amigo transcreve em uma de suas cartas e que eu transcro, novamente nesta: - “Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura... se é verdade/ Tanto horror perante os céus?!/ Ó mar, por que não apagas/ Com a esponja de tuas vagas/ De teu manto, este borrão? ...”
Não sei se pode medir a indignação de que se achava possuído o formidável aedo ao escrever esses versos. Indignação contra os homens, e até... contra Deus. Tanto horror perante os céus!... Frases semelhantes, arrojadíssimas, preferiu também o grande VIEIRA, no célebre sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal. Apóstrofes, gritos atirados contra os Céus, em momento de aflição, de dor inenarrável. Estaria, porventura, surdo, o Senhor quando esses gritos foram lançados para o alto? O Céu é tão longe... Mas os ouvidos de Deus possuem antenas, como as não conhecem os habitantes do globo terráqueo. O grito de CASTRO ALVES, como o de VIEIRA, tinha contra si a enorme distância em que nos achamos do Criador. Essa distância para Deus é nada. Mas, como nos afastamos d’Ele, cada dia, por isso, ainda Deus tendo ouvidos ultra sensíveis, não nos ouve.
Tem razão e inteira, o querido Amigo, em transcrever a estrofe do Poeta dos Escravos. Parece que o Brasil se admirou do que vai acontecendo aqui, em nossa terra. Digo isso, porque foi geral o comentário dos jornais de vários pontos do País. O caso é tão importante que o “Jornal do Brasil” mandou a Oeiras, um repórter, que aqui esteve e entrevistou os pedreiros juízes. Referido jornal na sua edição de 21 de janeiro –último, caderno B, dedicou uma página inteira a Oeiras, focalizando o fato.
Os homens são: o nosso amigo Benedito Vieira Lima – (Benedito Diogo) e Raimundo de Morais Rêgo (Raimundo Dodô). O primeiro é o atual Juiz de Direito de Oeiras, e o segundo, o Promotor. Ambos se dizem elementos eleitorais do Dep. Walmor Carvalho, que é o Vice-Lider do governo atual e que os mantém nesses dois postos chaves. É o que afirma a imprensa de Teresina, a qual, adiante que há muito, há dois meses já foi indicado um Bacharel para Juiz Adjunto da Velhacap, mas a nomeação não sai porque não interessa ao Deputado. A cousa é verdade. E não se sabe até quando vai. É de esperar-se que com a posso do novo Governador, que se dará a 15 de março próximo, tudo mude.
Os dois conterrâneos que detêm o poder judiciário de Oeiras, são pessoalmente dois homens bons. Honestos. Mas isso apenas não basta. Falta-lhes, a eles, as luzes necessárias, os conhecimentos precisos do Direito, essa arte difícil que fez a glória de um RUI, de um BEVILAQUA. Não os possuindo, serão, apesar de honestos, uns títeres nas mãos dos seus chefes, que os farão assinar atos, sentenças incompatíveis com a Justiça.
Todos sabemos o quanto é difícil um julgamento. Mesmo ao juiz togado, quantas vezes não se lhe antolham dificuldades enormes na prolação de uma sentença? Quanta noite indormida, rascunhando, consultando julgados, folheando tratados, e às vezes, apesar de tudo, errando? Por isso, dizia RUI, que nas organizações democráticas perfeitas era preciso que houvesse um Poder Judiciário superior para errar por último. Quem está afeito a ler jurisprudência, sabe que não raro o Supremo Tribunal Federal, está modificando Acórdãos. O que isso? Prova de que o homem finito, é sujeito ao engano. O Juiz é obrigado a julgar, e deve julgar bem. Por isso disse certa vez o Maior Juiz jamais vindo ao mundo – o CRISTO: - “Não julgueis para não serdes julgados...” Se a cousa é assim, dificílima aos que conhecem os segredos da ciência de Ulpiano, que dizer de quem não sabe nem precisa saber, nem se preocupa com isso?

II- Seu artigo, “O Cometa, um jornal em pleno Sertão”, muito bem lançado, muito bem escrito, como tudo o que sai de sua pena, para quem a arte de dizer, para que a língua não tem segredo.
O que disse, no seu artigo, encoraja a toda a equipe do modesto mensário, que precisa, e muito, da boa vontade e da generosa compreensão de todos para viver.
Nós que o fazemos, o amamos, e desse amor, lhe vem, ao jornalzinho, a feição que está apresentando. Há nele muitas falhas, muitos senões, sabemos; os leitores irão perdoando e encorajando, como o precioso Amigo, que é sem favor uma grande inteligência, uma invejável cultura a serviço das boas letras e das boas causas, tem feito.
No tocante ao que disse a respeito de minha humilde pessoa, deixe-me dizer, com toda sinceridade, o caro Amigo exagerou, deixou-me aturdido. VOCÊ na sua generosidade confunde a gente.
(...)

III – A cidade sofreu, sexta-feira, do corrente, um grande abalo moral, com o roubo praticado da quinta para a mesma sexta, na Igreja Catedral. O venerando Templo, o mais antigo templo regular do Piauí, foi profanado por mãos sacrílegas. Há quem afirme que, pelo menos, um dos ladrões teria ficado dentro da Igreja, à noite, quanto o sacristão a fechou. Isso porque a Igreja amanheceu roubada, e de porta aberta, sem nenhum sinal de violência.
Tiraram e levaram o resplendor da Imagem do Senhor Bom Jesus dos Passos; levaram um belo crucifixo, que servia na ceremônia da adoração à Santa Cruz, na Sexta-feira Santa; levaram dois castiçais, e uma grande e bela lâmpada, toda de prata, com o peso de muitos quilos, obra de fino valor, e muito antiga. Creio que o caro amigo a conheceu. Muitas pessoas choraram ao ver a veneranda Imagem de Bom Jesus dos Passos, maltratada, de coroa arrancada. Na mesma noite, foram os ladrões à Igreja do Rosário, tiraram as imagens dos seus lugares, remexeram tudo, abriram gavetões, e por fim levaram um cálice e uma pátena.
            Comenta-se aqui, que os larápios, ao que parece, não são experts em objetos ou obras de valor; aliás teriam levado alguma, ou algumas imagens, pois ambas as Igrejas visitadas as possuem, e de valor inestimável, pela ancianidade e pelo lavor artístico.
            Crê-se, também que eles visavam à Custódia. A nossa Custódia, obra fina da ourivesaria europeia do século XVIII, é uma obra de alto valor. Pesa quase sete quilos de ouro fino, e é enriquecida com muitas pedras preciosas. Quem lhe pode calcular o valor? É inestimável. O valor intrínseco, é enorme, o artístico extraordinário, e o estimativo, sem medida.
            O Sr. D. Edilberto está tomando medidas de alta precaução a fim de evitar que novos roubos se verifiquem.
            A nossa Custódia, como sabe, foi roubada, no século passado. Não posso precisar o ano, mas já faz mais de um e meio séculos. Perdi duas obras em que vinham notícia completa sobre esse famoso roubo: “Fogo de Palha”, de autoria do Dr. João Pinheiro, e um exemplar da Revista da Academia Piauiense de Letras. A Revista estampara o mesmo trabalho do Dr. João Pinheiro.
            O roubo de imagens e alfaias de valor, das Igrejas e de outros pontos, vem se praticando há anos, como sabe. Nas Alterosas, a causa tem sido terrível. Parece que se trata de uma quadrilha internacional. Estamos atravessando uma época difícil. Violência, anarquia, roubo de bancos, tanta cousa...

            IV – O diploma do caro Francelino de Souza Araújo está pronto. Dentro de dias o remeteremos. O Compadre Machado arranjou um estojo para o mesmo, de sorte a não se machucar na viagem.
            Há poucos dias, a 19 de janeiro findo, em ceremônia bonita, - uma bela sessão realizada na União A. O. Oeirense, se fez entrega do diploma de Sócio Honorário ao Exmo. e Revmo. Sr. D. Edilberto, nosso Bispo, tendo sido o mesmo saudado pelo Confrade, Revmo. Pe. David Ângelo Leal.
(...)
            Já é hora de acabar. O papel desta quarta página está se indo e não tenho o direito de abusar do seu tempo. Recebi as folhinhas e as distribui, todas. Sensibilizou-me a sua gentileza. Para que não viessem duas dúzias de vinte e três, VOCÊ subscreveu mais uma para mim. Muito grato. Assim ganhei duas.
            Agora até breve, e acompanhemos a luta em que se vai empenhar o Exmo. Sr. Senador NELSON CARNEIRO.

Do conterrâneo amigo, admirador
Possidônio Queiroz