Escreve Possidônio Queiroz
A ex-Capital do Piauí comemorou condignamente, ao dia 24 de janeiro recém-findo, a passagem do sesquicentenário de adesão do nosso Estado ao movimento da independência do Brasil.
Rememorou a velha urbe, os dias distantes do ano de 1823; momento histórico em que o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins proclamava, nas ruas da Capital alvoroçada, a adesão da Capitania, à causa do Príncipe Regente, cujo nome foi delirantemente ovacionado.
Aquele desejo de liberdade, que fizera tantos mártires em varias partes do Brasil, aquela vontade de ver a pátria entregue à direção de seus próprios filhos, por tanto tempo coaretada, se manifestava então, cônscia da responsabilidade que assumia, mas a tudo disposta plena de amor pela terra comum.
Naqueles momentos distantes e incertos da vida da antiga Capitania, ainda o solo piauiense era um viveiro de portugueses fiéis à vontade de D. João VI; ainda às forças de Fidié, disciplinadas e aguerridas, eram uma terrível ameaça qualquer movimento separatista.
Vivia a nossa terra, dias intranqüilos. Perseguições, correrias, mortes, se davam em vários pontos do Estado. Elementos maus que sempre os há, nos momentos de agitação publica, de movimentos armados e até de calamidade, se aproveitavam da situação para atacarem fazendeiros, perpetrarem vinganças, praticarem latrocínio, etc.
Aqui, na velha Oeiras, na Capital, lavrava, subterrânea a ameaça, a insegurança. Ninguém confiava em ninguém. Pessoas amigas do Reino deletavam amigos. As autoridades se olhavam desconfiadas.
No norte da Capitania, Fidié, o poderio português, implacável nestas plagas, ocupava Parnaíba, e forçava uma obediência que lhe repugnava a consciência. Trazia amedrontadas as populações das circunvizinhanças. Prometia reduzir todos à mais completa vassalagem ao seu rei e à sua nação. Vigilante adestrava tropas e pedia mais soldados do Maranhão e de além-mar. Este pedaço do território brasileiro, havia-o de trazer, a todo custo, fiel ao juramento que prestara em Lisboa. Subjugaria a todos e teria obturada a vontade piauiense, para que ninguém aqui pensasse em liberdade.
Quanto estava enganado o ilustre Cabo de Guerra! No coração daqueles mesmos em que muito confiava, ebulia, avassaladora e irreversível, a lava do movimento anti-português.
O Piauí se inflama e vibra, ante a ajuda franca do povo da Terra da Luz. Batalhões se improvisavam, bisonhos mas pletóricos de sentimentos patrióticos.
Oeiras sacode-se. Sabe que a hora é chegada. Hora do Brasil, hora do Povo, hora da Velhacap. As cousas aqui não andavam boas para os reinóis. Já um mês atrás, três homens aramados haviam assaltado a Casa da Pólvora e chibateado o guarda.
O domínio português se desmoralizava em nosso meio. Cheio de indignação o Padre Dr. José Joaquim Monteiro de Carvalho e Oliveira, Vigário da cidade, dirigia poucos dias depois do fato, à Junta de Governo, longa representação de que citamos este pequeno trecho: - “Ataca-se com mão armada o deposito da pólvora desta cidade, e espanca-se seu guarda. Trata-se da independência com a maior imprudência e descaramento.”
Ao Revmo. Pe. português, não lhe sofre o coração, sem protestos, grande como o próprio nome, ver a audácia dos oeirenses, em pensar em liberdade.
O dia 24 de janeiro foi a resposta cabal a todos que nos queiram jungidos à coroa de D. João VI.
O grito do Ipiranga se repete, naquele dia, na cabeça da Capitania. De agora em diante, sim, pode-se dizer que o Piauí aderiu ao Movimento Separatista.
Fidié esbraveja. Vomita impropérios. Parte contra nós desde a distante e bela Princesa do Igaraçu, dardejando raios e tramando vinditas terríveis.
Tropas piauienses e cearenses coaretam-lhe a marcha às margens históricas do Jenipapo e o desvanecem de vir a Oeiras. E Oeiras vence e consolida e a idéia. E vai depois até Caxias, ajudar o Maranhão a libertar-se também.
O dia 24 de janeiro é um grande dia na historia do Piauí. Oeiras se orgulha de ter sido palco desse grande acontecimento e se desvanece do feito histórico de seus filhos cuja memória reverencia.
Não passou despercebida, entre nós, a data memoranda. Pela manha ligeiro passeio a pontos ligados a nossa historia. Inicialmente à Casa da Pólvora, marco imperecível do nosso glorioso passado. O velho prédio que esteve parcialmente no chão sem teto, - uma ruína em constante protesto contra a ingratidão e a falta de civismo dos homens, se apresentava completamente restaurado.
Ali o Sr. Prefeito Juarez Tapety, entregou a chave da porta única da Casa bicentenária ao emérito historiador Monsenhor Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, que aqui viera a convite do Instituto Histórico de Oeiras para pronunciar um conferencia, e pediu quisesse S. Exª, abrir a mesma porta. Antes de fazê-lo, visivelmente emocionado, pronunciou o imortal coestaduano, ligeira oração em que evocou fatos do nosso passado, e disse da significação do momento altamente compreensível aos estudiosos, aos conhecedores de nossa historia. Dai porque enalteceu a ação do Prefeito Juarez Tapety, em mandar restaurar o prédio, como preito de veneração ao passado histórico da Velhacap, aos que por ela, em tempos idos, sofreram e trabalharam.
Muitas palmas se fizeram ouvir quando o imortal piauiense rodou a chave e abriu a porta. Estavam presentes, além do Sr. Prefeito Municipal, S. Exª Revmª oSr. Dom Edilberto Dinkelborg, Bispo da Diocese; o Sr. Joaquim Madeira Reis, Presidente da Câmara Municipal da cidade; diversos Vereadores; o Dr. Raimundo da Costa Machado, Presidente do Instituto Histórico de Oeiras e vários membros da Diretoria do mesmo Instituto Histórico e diversos sócios; representantes de comercio; autoridades; funcionários públicos e avultado numero de pessoas.
Depois, foi-se até o ponto, onde,em agosto de 1852, o povo de oeiras, chorando, acompanhou o velho cofre que Saraiva fazia transportar para a nova sede do governo. A seguir visita à ponte Zacarias de Góis, a mais velha do estado, toda de pedra – dos alicerces ao piso. Visita à casa onde residiu o Visconde da Parnaíba. Visita ao Paço Episcopal, antigo Palácio Nepomuceno, tombado como monumento histórico nacional.
Às dezenove horas missa de ação de graças, concelebrada pelo Sr. Dom Edilberto Dinkelborg, Monsenhor Chaves e Monsenhor Leopoldo Portela. Às vinte e trinta, coroando as comemorações do dia, a muito aplaudida conferencia pronunciada pelo brilhante historiador, Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves, no salão nobre da União Artística Operaria Oeirense. O festejado escritor, conhecido historiador coestaduano, membro da academia Piauiense de Letras, versou o tema: - “PARTICIPAÇÃO DE OEIRAS NAS LUTAS DA INDEPENDENCIA”. Fecharam-se assim, com letras de ouro, ou chave de ouro, as comemorações do dia.
Acrescentamos, rematando esta crônica, que a Casa da Pólvora, velho marco que há dois séculos atrás servia de depósito de munições da guarnição da Capital, foi restaurada por inspiração do Instituto Histórico de Oeiras.
O ilustre Esculápio conterrâneo, o Exmo Sr. Dr. José Expedito de Carvalho Rêgo, criador e diretor de “O COMETA”, membro do IHO, foi o primeiro a levantar a voz a prol da restauração do histórico prédio.
Na sua conferencia, pronunciada a 24 de janeiro do ano passado, abrindo a série, que o IHO programara para o ano do Sesquicentenário da Independência, disse: “- Esperamos que um dos pontos por se batam estes jovens brilhantes que tiveram a coragem de criar o Instituto Histórico de Oeiras, seja a restauração da Casa da Pólvora, que se encontra em ruínas e a incorporação da mesma ao Patrimônio Histórico Nacional.
A restauração de fez. O Sr. Prefeito Juarez Tapety, alma aberta às cousas veneráveis de nossa terra, recebeu satisfeito a sugestão do IHO, e ai está a Casa da Pólvora, completamente restaurada olhando, lá do alto do Rosário, a cidade que se espraia na planície, alegre, por que finalmente chegou o dia em que os oeirenses se lembrar do se papel histórico.
A Casa da Pólvora ri, satisfeita. E como uma sentinela do passado, contempla a nossa Oeiras que se remoça, cresce e desenvolve; contempla a cidade grande que viu menina.
Jornal “O COMETA” – Nº 14, fevereiro de 1973